RC 18849/2018
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07/05/2022 19:45

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 18849/2018, de 29 de abril de 2019.

Disponibilizado no site da SEFAZ em 18/06/2021

Ementa

ICMS – Incidência do imposto em operação de importação de sêmen humano.

 

I. Incide ICMS em operações de importação de mercadoria ou bem do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade (artigo 1º, inciso V, do RICMS/2000).

 

Relato

1. A Consulente, por sua CNAE (86.30-5/05), empresa de reprodução humana assistida, ingressa com consulta questionando a tributação por ICMS na operação de importação de esperma.

 

2. Nesse contexto, a Consulente informa que se dedica à atividade de exploração de banco de sêmen humano, compreendendo os serviços de coleta, processamento, armazenamento e criopreservação de amostras de sêmen de pacientes e doadores, além da prestação de serviços auxiliares de assessoria empresarial na área da saúde.

 

3. Ocorre que, em razão da dificuldade de doações espontâneas de sêmen humano em território nacional, relata que importa amostras seminais dos Estados Unidos da América, operação devidamente reconhecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

 

4. Diante disso, as amostras seminais importadas compõem o banco de sêmen humano disponibilizado pela consulente para que seus pacientes possam, dentre as opções oferecidas, escolher o sêmen humano com as características e a fisiologia que mais se adequem às suas necessidades.

 

5. Em atenção à legislação aduaneira, a Consulente ao importar o sêmen humano, submete-o ao despacho de importação, com seu respectivo registro na Declaração de Importação – DI, além de recolher os tributos incidentes na operação. Nesse sentido, além de constar expressamente na DI a finalidade de revenda do tecido humano, há também a sua classificação pelo NCM 3001.90.90

 

6. Isso posto, a Consulente argumenta que mercadoria deve ser entendida como bem juridicamente disponível e suscetível de comercialização – ou seja, qualquer objeto passível de compra e venda, desde que juridicamente lícito, poderá ser compreendido por mercadoria. Entretanto, destaca que o parágrafo 4º do artigo 199 da Constituição Federal veda expressamente a comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas.

 

7. Expõe, ademais, que o artigo 15 da Lei nº 9.434, de 1997, tipifica como crime a compra e venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo, com pena de reclusão de três a oito anos e pagamento multa, incorrendo em mesma pena aquele que promover, intermediar ou auferir qualquer vantagem com a transação.

 

8. Com efeito, entende que o fundamento da vedação decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual proíbe a mercantilização do ser humano. Nessa linha, o próprio Código Civil teria limitado, em seu artigo 13, a disposição do corpo. Portanto, em seu entender, o ordenamento jurídico não admite a hipótese de o ser humano ser disponível como a mercadoria. Acrescenta que essa própria Consultoria Tributária teria manifestado o entendimento acerca da impossibilidade de inclusão do sangue humano no conceito de mercadoria (Resposta à Consulta nº 2807/2014).

 

9. Não obstante, ressalta que as amostras seminais importadas têm como destinação compor o banco de sêmen humano da Consulente. Dessa forma, os pacientes interessados em utiliza-las em procedimento médico, possuem a disponibilidade e a variedade amostral mais adequada às suas necessidades.

 

10. Diante do exposto, apresenta a dúvida acerca da incidência do ICMS na operação de importação de sêmen humano, já que, ante a indisponibilidade do corpo humano para a mercantilização, o conceito de mercadoria não poderia englobar o sêmen humano importado.

 

Interpretação

11. Preliminarmente, esclareça-se que a Lei nº 9.434/1997, trazida pela Consulente, não se aplica ao esperma por expressa disposição legal do parágrafo único de seu artigo 1º. Além disso, também não se aplicam as disposições do artigo 13 do Código Civil já que apenas é defesa a disposição do próprio corpo quando importar diminuição permanente da integridade física ou quando contrariar os bons costumes.

 

12. Nesse sentido, não obstante os argumentos tecidos, fato é que a Consulente não apresentou qualquer vedação expressa que proíba a comercialização de sêmen humano. Do oposto, quer extrair diretamente do § 4º, artigo 199, da Constituição Federal eventual proibição acerca da comercialização de sêmen humano.

 

13. No entanto, não está clara que a vedação de comercialização ali exposta seja aplicável a quaisquer substâncias humanas e em quaisquer hipóteses. Com efeito, se a vedação da comercialização de substâncias humanas disposta no artigo 199, § 4º, da Constituição Federal fosse rígida e abrangente a ponto de coibir quaisquer operações de comercialização de sêmen humano, por correlação lógica, a própria atividade econômica da Consulente estaria comprometida.

 

14. Nesse prisma, se a vedação da comercialização de substâncias humanas implicasse de pronto na proibição de comercialização de sêmen humano, por consequência lógica, haveria também de ser proibida a importação do sêmen humano adquirido do exterior.

 

14.1. Contudo, não só a própria Consulente adquire do exterior, como tal operação é chancelada pela ANVISA. E ainda, por acesso ao site da parceira americana da Consulente, depreende-se que essa operação tem intuito comercial e lucrativo.

 

15. Além disso, embora a Consulente argumente que o destino das amostras seminais importadas seja o de compor seu banco sêmen humano, se silencia quanto sua destinação posterior. Isso é, resumidamente, expõe que eventuais pacientes são interessados em utilizá-las em procedimento médico, mas não informa o modelo negocial pelo qual irão adquiri-las.

 

15.1. Entretanto, em acesso ao site da Consulente, é exposto expressamente acerca do fornecimento em território pátrio de sêmen de doadores para reprodução assistida, nos seguintes termos: “fornece amostras de sêmen nacionais e importadas para tratamento de reprodução assistida para casais e mulheres que necessitam de sêmen de doador para terem seus filhos. O Sêmen é fornecido para clínicas e médicos cadastrados em todo o Brasil.”. Depreende-se, assim, que tal atividade tem intuito lucrativo e comercial.

 

16. Dessa feita, não se restou demonstrada qualquer vedação expressa à comercialização de sêmen humano.

 

17. Não obstante, foi identificada a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.121/2015 que, ao dispor das normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, prescreve em inciso IV, item 1, que a doação de gametas não poderá ter carácter lucrativo ou comercial. Contudo, a despeito da tautologia (já que pelo próprio conceito de doação se elimina o carácter lucrativo ou comercial dessa atividade), bem como de eventual violação ao princípio da legalidade (já que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), essa vedação, quando muito, se aplica ao processo de extração do sêmen humano, em não há sua comercialização, em si.

 

17.1 Sendo assim, ainda que haja alguma vedação ao carácter lucrativo ou comercial do processo de extração de sêmen humano, não foi identificada vedação à comercialização de sêmen humano. Pelo contrário, do que foi possível compreender, a Consulente não apenas importa esperma, como pratica operação de fornecimento de sêmen para reprodução assistida a clínicas e médicos cadastrados – e ambas as operações com carácter lucrativo.

 

18. Ademais, ainda que a comercialização de sêmen humano fosse considerada ilícita e, por conseguinte, as atividades da Consulente seriam consideradas ilícitas, a tributação sobre ela estaria garantida. Isso porque o princípio da “pecúnia non olet”, consagrado no artigo 118, inciso I, do Código Tributário Nacional, prescreve que, para fins da incidência tributária, é irrelevante a licitude do negócio jurídico.

 

19. Isso posto, cabe, então, observar que o artigo 2º, § 1º, inciso I, da Lei Complementar Federal 87/1996 (artigo 1º, inciso V, do RICMS/2000), em consonância com o artigo 155, § 2º, inciso IX, alínea “a”, da Constituição Federal, dispõe que o ICMS incide “sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade”.

 

20. Portanto, para fins de incidência do ICMS sobre operações de importação é irrelevante a caracterização do bem como mercadoria ou do sujeito ativo como comerciante. Nesse contexto, observa-se que a regra de incidência na importação visa garantir a isonomia na tributação por ICMS, de modo que o bem ou mercadoria importado seja colocado em condições de igualdade de tributação com o bem ou mercaria nacional. Explica-se. É princípio corrente na economia mundial que não se exportam tributos, de modo que o bem/mercadoria importado sai do país de origem despido do ônus tributário. Por outro lado, todos os bens adquiridos no mercado nacional são direta ou indiretamente onerados pelo ICMS, já embutido no preço. Desse modo, a incidência do ICMS na importação tem a função de isonomia tributária, submetendo as mercadorias e bens importados ao mesmo tributo que onera os nacionais, sob pena de tratamento privilegiado aos importados.

 

21. Dessa forma, ainda que haja vedação ao carácter lucrativo ou comercial do processo de extração de sêmen humano, sendo-lhe exclusivo o carácter donativo (Resolução CFM nº 2.121/2015), fato é que eventual operação posterior detém carácter comercial e lucrativo, não lhe sendo reservada a exclusividade como doação (a exemplo das próprias operações da Consulente). Logo, mesmo que na etapa de extração o sêmen humano possa estar alheio à condição de mercancia, fato é que, considerando o exposto acima, nas etapas posteriores até o seu destino final (consumo no serviço de reprodução assistida praticada pelas clinicas e médicos especializados), há a comercialização de sêmen humano. Desse modo, dado o caráter mercantil e lucrativo dessas operações posteriores, o sêmen humano acaba por ser objeto de mercancia e, consequentemente, em princípio, há a tributação por ICMS. 

 

22. Sendo assim, a despeito de etapa de extração do sêmen humano, as operações envolvendo eventual ciclo de comercialização de sêmen humano, até seu consumo final no serviço de reprodução assistida praticada pelas clinicas e médicos especializados, são comerciais e estão, em princípio, sujeitas ao ICMS. Consequentemente, a tributação por ICMS na operação de importação de sêmen humano acaba por equiparar tributariamente situações equânimes, isso é, operações comerciais, nacionais e de importação, com sêmen.

 

23. Nesse prisma, recorda-se que até mesmo a operação de importação que a Consulente pratica é comercial, dado que, do que se pôde depreender, a Consulente não recebe os espermas importados de doadores, mas sim, os adquire de banco internacional de esperma (operação comercial). Nesse sentido, permitir não só a importação de sêmen humano, como lhe conferir eventual exoneração tributária, é privilegiar o mercado e interesse internacional em detrimento do nacional.

 

23.1. Com efeito, a despeito de eventuais críticas à aplicação da Resolução CFM nº 2.121/2015, o que se quis eventualmente proteger foram os interesses do doador, pessoa física, do esperma, mas jamais os interesses do banco de esperma internacional.

 

23.2. Nesse contexto, se a importação de sêmen humano fosse exonerada de tributação, desconsiderando custos burocráticos e de transação, a própria atividade da Consulente poderia ser prejudicada face aos interesses do banco de esperma internacional. Isso porque, enquanto seu fornecimento nacional de sêmen a clinicas e médicos estaria sujeito à exação tributária, a importação direta destes frente ao banco internacional de esperma estaria desonerada tributariamente. Portanto, situações equânimes sofreriam tributação distinta, privilegiando os interesses estrangeiros, em afronta, assim, ao artigo 155, § 2º, inciso IX, alínea “a”, da Constituição Federal.

 

24. Diante de todo o exposto, conclui-se que a operação de importação de sêmen humano está sujeita à tributação por ICMS.

 

25. Por fim, a título informativo, convém observar que, não só a Resposta à Consulta nº 2807/2014, citada pela Consulente, como a de número 2167/2013, tratam de sangue humano e seus derivados. No entanto, as disposições ali manifestadas não se aplicam ao presente caso, dado que, não apenas as atividades econômicas envolvendo sangue têm peculiaridades próprias, como há expressa disposição legal lhe retirando o carácter comercial (Lei nº 10.205/2001, artigos 1º e 2º, § único).

 
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Comentário

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