RC 20332/2019
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07/05/2022 20:57

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 20332/2019, de 27 de março de 2020.

Disponibilizado no site da SEFAZ em 28/03/2020

Ementa

ITCMD – Incidência – Dotação de bens livres realizada por associação para fins de instituição de fundação privada.

I.   A dotação de bens livres, por parte de associação, para a instituição de fundação privada, não tem natureza jurídica de doação, não sendo configurada, portanto, a hipótese de incidência do ITCMD.

 

Relato

1.         A Consulente, associação privada, que possui certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), relata que em dezembro de 2017 firmou termo de compromisso junto ao Ministério Público de Trabalho (MPT), pelo qual esse repassou à associação um montante em dinheiro provindo de acordo judicial celebrado em Ação Civil Pública para a construção de hospital (já construído e em funcionamento, em terreno doado pelo município).

2.         Esclarece que para a doação da indicada verba, o MPT impôs à associação a instituição de uma fundação e que, para cumprir tal imposição, já requereu junto ao Ministério Público, e teve aprovado o estatuto da fundação, o qual pende de registro junto ao Ofício de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e demais andamentos administrativos perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, para que a fundação passe a ter personalidade jurídica.

3.         Informa que a associação, detentora tanto da verba doada pelo MPT quanto do terreno doado pelo município, afetará tais bens à fundação nascente, e que, apenas depois dessa afetação é que o registro no Ofício de Registro Civil de Pessoas Jurídicas torna-se possível.

4.         Entende que o ITCMD não incide nessa doação, visto que a doadora é detentora do benefício da imunidade tributária descrita no artigo 150 da Constituição Federal, reconhecido pela expedição de CEBAS; que a fundação donatária apenas passará a existir após a afetação do patrimônio da entidade doadora; que a necessidade de instituição da fundação donatária foi exigência do Ministério Público para o repasse da verba para a construção do hospital; e que, para o registro da donatária no Ofício de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, e início de sua existência de fato, é necessária escritura pública de dotação de bens.

5.         Explica que o Ofício de Registro Civil de Pessoas Jurídicas requer o recolhimento do ITCMD para a confecção da devida escritura e, tão logo a donatária seja registrada e devidamente cadastrada no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda, poderá ter reconhecida sua imunidade tributária, nos mesmos moldes da doadora.

6.         Assim, questiona se esse caso específico (i) é hipótese de incidência do ITCMD; e (ii) caso positivo, se  existe possibilidade de diferimento do pagamento do ITCMD incidente nesta operação até o fim do processo de reconhecimento de CEBAS a ser distribuído pela fundação, tão logo tenha personalidade jurídica para poder pleitear tal reconhecimento.

Interpretação

7.         Preliminarmente, esclarecemos que a presente resposta analisará apenas a situação relatada pela Consulente, qual seja, a eventual incidência do ITCMD na dotação de bens livres, por parte de pessoa jurídica, para fins de instituição e constituição de fundação privada.

8.         Frise-se que, conforme artigo 62 do Código Civil, para criar uma fundação, é necessário que seu instituidor faça, “por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”.

9.         É necessário pontuar que a instituição de fundação, com a dotação especial de bens livres, ocorre por ato unilateral do fundador. Sobre o assunto, assim ensina Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado Tomo I – Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 633): “O negócio jurídico criativo da fundação é ato unilateral do fundador. Nele, é que determinam o fim da fundação e os meios com que pode contar, inicialmente”. Esse entendimento do ilustre doutrinador é de todo lógico, uma vez que no ato instituidor através da escritura pública de dotação inexiste personalidade jurídica do destinatário da liberalidade, que surgirá apenas após sua constituição.

10.      No mesmo sentido, explica Orlando Gomes (Novíssimas Questões de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1984, p.3):

“A dotação não deve ser qualificada como uma doação, muito menos típica. Entre o doador e o ente que funda, não se trava uma relação contratual, não se celebra um contrato de doação. Trata-se, antes, de um ato unilateral de destinação dos bens para fim determinado”.

11.      Nesse sentido, tem-se que a natureza jurídica da dotação de bens para a instituição de fundação privada é de negócio jurídico unilateral, representado pela vontade de apenas um sujeito de direito – no caso, o instituidor da fundação, por meio da dotação de bens livres.

12.      Por outro lado, conforme prevê o artigo 538 do Código Civil, a doação é caracterizada pelos seguintes elementos: contrato (negócio jurídico bilateral), um ato de liberalidade e a transferência de bens ou vantagens, do patrimônio de uma pessoa para o de outra:

“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”

13.      Além desses elementos, para a validade da doação, exige-se o preenchimento de pressupostos que se reclamam para qualquer contrato, negócio jurídico bilateral: agente capaz, objeto lícito e possível, determinado ou indeterminável, e forma prescrita ou não defesa em lei.

14.      Dessa forma, tem-se que a dotação patrimonial para fins de instituição de fundação privada distingue-se da doação em dois aspectos fundamentais:

14.1.   a dotação tem natureza jurídica de negócio jurídico unilateral, enquanto a doação, de negócio jurídico bilateral (contrato);

14.2.   em consonância com o subitem anterior, na dotação não há que se falar pessoa jurídica donatária dos bens, uma vez que a finalidade dessa dotação é a própria instituição e constituição da personalidade jurídica da fundação, inexistente no momento da dotação. Já na doação, há obrigatoriamente a participação de duas pessoas no negócio jurídico, quais sejam, o doador e o donatário, configurando assim o contrato (negócio jurídico bilateral), mesmo que esse contrato seja unilateral, no qual apenas uma das partes assume obrigações em face do outro (por exemplo, na doação pura e simples).  

15.      Diante de todo o exposto, entendemos que a dotação de bens livres, por parte de associação, para a instituição de fundação privada, não tem natureza jurídica de doação, não sendo configurada, portanto, a hipótese de incidência do ITCMD nos termos do inciso II do artigo 2º da Lei nº 10.705/2000.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

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