RC 22764/2020
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07/05/2022 21:33

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 22764/2020, de 28 de abril de 2021.

Disponibilizado no site da SEFAZ em 29/04/2021

Ementa

ICMS – Locação de bens do ativo imobilizado seguida da comercialização para os locatários ou comodatários.

 

I. A saída de bens em virtude de contrato de locação está fora do campo de incidência do ICMS (artigo 7º, inciso IX, do RICMS/2000), desde que tal contrato não seja desvirtuado para encobrir negócios jurídicos de outra natureza.

Relato

1. A Consulente, que exerce a atividade principal de comércio varejista especializado de equipamentos e suprimentos de informática (47.51-2/01), apresenta dúvida sobre os procedimentos a serem observados nas operações de venda de bens do ativo imobilizado, anteriormente objeto de locação, para os respectivos locatários ou comodatários, localizados nos Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Pernambuco.

 

2. Nesse contexto, informa adquirir bens de fornecedores localizados no Estado de São Paulo ou em outros Estados que se incorporam ao seu ativo imobilizado e que, posteriormente, são locados para outras pessoas jurídicas, que podem ser contribuintes ou não de ICMS.

 

3. Cita o artigo 7º, inciso IX, do RICMS/2000, que prevê a não incidência do imposto nas saídas de bens com destino a outro estabelecimento em razão de empréstimo (comodato) ou locação, desde que os referidos bens retornem ao estabelecimento de origem para esclarecer que, no presente caso, após o período de locação firmado, considerando o desgaste desses bens, eles não possuem mais utilidade para a Consulente, que pretende vendê-los diretamente aos respectivos locatários ou a terceiros (comodatários ou tomadores de serviços dos locatários), quando cedidos em operações de comodato, que estejam em posse dos aludidos bens.

 

4. Informa ter apresentado Consulta em 2017 por meio da qual solicitava esclarecimentos sobre operação semelhante, na qual a posterior venda do bem ocorria para outra empresa do mesmo grupo econômico da Consulente ou para terceiros estranhos ao contrato de locação (hipóteses fáticas que afirma serem diferentes da tratada na presente consulta).

 

5. Reitera o conhecimento sobre a não incidência do imposto na operação de locação estar condicionada ao retorno do bem ao estabelecimento de origem (artigo 7º, inciso IX, RICMS/2000), e expõe que, para não incorrer em custos logísticos desnecessários com a desinstalação, transporte e reinstalação dos equipamentos, objetivando a economia e praticidade, a Consulente objetiva confirmar: (i) a necessidade de retorno físico efetivo dos bens locados, que se encontram em posse dos locatários ou seus clientes (comodatários), ao estabelecimento da Consulente, ou a emissão de nota fiscal de retorno simbólico de locação no presente caso; e (ii) a possibilidade de emissão de nota fiscal somente relativa à transmissão de propriedade, sem o destaque do imposto neste caso, por se tratar de bem registrado no ativo permanente da Consulente, com a indicação, no campo observações, dos dados da nota fiscal emitida pela Consulente de remessa em locação, nos termos dos artigos 125, inciso III, "b" e § 2º, e 7º, inciso XIV, ambos do RICMS/2000.

Interpretação

6. Depreende-se do relato que a Consulente, desde 2017, desenvolve modelo negocial de revenda de equipamentos disponibilizados anteriormente para “locação”, sendo na presente Consulta informado que a venda será diretamente aos respectivos locatários ou a terceiros (comodatários ou tomadores de serviços dos locatários), quando cedidos em operações de comodato, que estejam em posse dos aludidos bens.

 

7. Isso posto, cabe, então, analisar a atividade de locação de bens móveis, atividade essa fora do campo de incidência do ICMS, nos moldes do inciso IX do artigo 7º do Regulamento do ICMS (RICMS/2000), mas desde que não utilizada para encobrir negócios de natureza diversa (a exemplo da compra e venda).

 

8. Com efeito, conforme já apontado nas Respostas às Consultas Tributárias nº 21615/2020, 20973/2019, dentre outras, (disponibilizadas no site https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx), a locação de bens está civilmente disciplinada nos artigos 565 e seguintes da Lei 10.406, de 10/01/2002 (Código Civil). Desses artigos decorre que a locação é contrato “pelo qual uma das partes se obriga, mediante contraprestação em dinheiro, conceder à outra, temporariamente, o uso e gozo de coisa não fungível” (Orlando Gomes in “Contratos”, Ed. Forense, 18ª ed., pág. 274).

 

9. De acordo com o inciso IV do artigo 569 do mesmo Código, está entre as obrigações do locatário “restituir a coisa finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais”. Assim, a princípio, salvo situações excepcionais, a restituição do bem ao final do contrato é um dos requisitos essenciais para a configuração da locação. Desse modo, a opção contratual de posterior compra do bem “locado” pelo próprio “locatário” (ou mesmo por terceiros, sublocatários ou comodatários) pode descaracterizar a locação, já que, a depender da situação in concreto, pode demonstrar falta de interesse do locatário na devolução de tal bem, cujo intuito seria de antemão permanecer com o bem como se próprio fosse.

 

10. Diante disso, na hipótese de uma empresa se utilizar indevidamente da denominação de locação para operações que seriam na verdade compra e venda (venda a prazo, ou a contento, ou com outra cláusula especial), essa operação estará sujeita à incidência do ICMS.

 

10.1. Salienta-se que esse assunto de locação com intenção de transferência definitiva já foi, inclusive, objeto da Decisão Normativa CAT 03/2000 (“cessão de bens para consumo com a intenção de ser definitiva – Descaracterização do Contrato de Locação”).

 

11. Feitas essas considerações gerais, analisando o caso específico da Consulente, não se pode, de plano, afirmar apriorística e categoricamente que não há locação por haver a venda posterior do bem locado. No entanto, essa situação, a princípio, deveria ser residual, atípica, e não constituir o modelo negocial para amparar suas vendas, sob pena de se desvirtuar o contrato de locação (o que, todavia, parece ocorrer nas operações da Consulente desde 2017).

 

12. Nesse contexto, recorda-se que, em que pese a autonomia da vontade e a livre iniciativa, cabe aos particulares, no exercício regular de suas atividades, zelar pela lisura das práticas negociais, sob a observância da boa fé e da função social do contrato. Assim, não podem os contribuintes se valer da utilização formal de negócios jurídicos estruturados apenas no intuito de se ocultarem do dever fundamental de pagar tributos.

 

13. É nesse sentido que, de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade fiscal tem competência para desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

 

14. Sob essa ótica, recorda-se que os tributos não incidem sobre as disposições contratuais em si, tal como acordado pelas partes, mas sim sobre o fato econômico subjacente. Sendo os contratos meras qualificações jurídicas do fato dadas pelas partes, essa qualificação pode se mostrar precária em relação a terceiros, especialmente em relação ao Fisco, sobretudo quando o fato econômico subjacente não corresponder à qualificação contratual dada pelas partes. Assim, ao procedimento fiscalizatório, cabe a persecução da verdade material subjacente às disposições privadas, isto é, cabe ao Fisco a persecução dos fatos jurídicos que efetivamente tenham ocorrido in concreto. E, em decorrência disso, o referido parágrafo único do artigo 116 permite a desconsideração dos atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

 

15. Ou seja, não pode haver, por mera convenção entre as partes, a subversão de negócio jurídico diverso para classificá-lo como locação. Desse modo, se chamada à fiscalização e a autoridade administrativa verificar, em seu juízo de convicção, elementos que denotem a utilização do contrato para encobrir negócios de outra natureza, caberá o lançamento do imposto de acordo com a natureza do negócio efetivamente ocorrido.

 

16. Isso posto, é importante também ressaltar que a Consulente declara no CADESP exercer, além da atividade principal de comércio varejista especializado de equipamentos e suprimentos de informática (CNAE 47.51-2/01), as atividades secundárias de sociedades de fomento mercantil - factoring (CNAE 64.91-3/00) e atividades de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários (74.90-1/04). Ou seja, a Consulente sequer cita desenvolver atividade de locação, ainda que de forma secundária.

 

17. Sendo assim, com relação aos bens (que a Consulente não descreve quais seriam exatamente) que adquire de fornecedores localizados no Estado de São Paulo ou em outros Estados para serem locados, há de se questionar, inclusive, sua classificação no ativo imobilizado, e a possibilidade de serem contabilizados ou no ativo circulante ou no ativo realizável a longo prazo, dependendo do prazo esperado de realização.

 

18. Ante o exposto, conclui-se que a emissão de Nota Fiscal de transferência de propriedade nos termos do artigo 125, inciso III, alínea “b” e §2º, do RICMS/2000 apenas estará correta caso o negócio jurídico se mostre de fato e de direito, materialmente, como locação e que, assim, não seja utilizado para encobrir negócios jurídicos de outra natureza. Caso contrário, isso é, verificada desde o início a intenção de cessão definitiva do bem, a operação deverá ser tratada como operação de circulação de mercadoria (Decisão Normativa CAT 03/2000), sujeita à incidência do ICMS e às obrigações acessórias decorrentes, não sendo cabível a emissão posterior da Nota Fiscal prevista no artigo 125, inciso III, alínea “b” e §2º, do RICMS/2000.

 

18.1. Nesse sentido, salienta-se, inclusive, que não é o mero retorno físico para o seu estabelecimento, como aparente e subsidiariamente pretendido pela Consulente, que necessariamente afastará descaracterização do contrato de locação. Recorda-se, como exposto acima e melhor discorrido em outras oportunidades por esta Consultoria, findo o contrato de locação, a princípio, o bem deve retornar ao locador, mas não só. Deve retornar, nas condições em que recebeu (salvo pequenas deteriorações) – portanto, em condições de uso, de tal modo que se permita nova locação.  Assim, retornado o bem locado, ele não pode estar substancialmente deteriorado, situação em que se denotaria o intuito de cessão definitiva da coisa, desvirtuando, assim, o contrato de locação.

 

19. Ademais, registra-se que esta é a posição adotada pelo Estado de São Paulo. Considerando, no caso em questão, que a saída dos bens (assim considerados pela Consulente) poderá ocorrer de fornecedores localizados em outros Estados, recomenda-se consulta àqueles Fiscos a fim de confirmar seus entendimentos sobre o assunto.

 

20. Por fim, observa-se que o entendimento consignado na presente resposta deve ser aplicado em conjunto com aquele exarado na RC 22763/2021, consulta formulada pela própria Consulente e que apresentou situação fática conexa à presente.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Comentário

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