RC 26264/2022
Comando para Ignorar Faixa de Opções
Ir para o conteúdo principal

Você está em: Skip Navigation LinksLegislação > RC 26264/2022

Notas
Redações anteriores
Imprimir
13/05/2023 04:00

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 26264/2022, de 11 de maio de 2023.

Publicada no Diário Eletrônico em 12/05/2023

Ementa

ITCMD – Cessão de direito de uso de bens imóveis públicos – Base de cálculo.

I. A cessão de direito de uso de bem imóvel público para o atendimento de interesses privados, na qual o atendimento ao interesse público ocorra de forma apenas mediata, por ato não oneroso, é fato gerador do ITCMD, tratando-se de transmissão de direito por doação.

II. A cessão de direito de uso de bem imóvel a ser usado para interesses qualificados como próprios da coletividade, internos ao setor público, não é fato gerador do ITCMD, por não corresponder a uma doação.

III. Para se determinar a base de cálculo do ITCMD deve ser considerado o valor de mercado dos direitos atribuídos aos donatários, na data da transmissão ou do ato translativo. Na falta de avaliação idônea que atribua, segundo critérios mercadológicos objetivos, o valor do direito de uso, admitir-se-á o que for declarado pelo interessado, ressalvada a revisão do lançamento pela autoridade competente. Se necessário, poderão ser adotadas, por analogia, as normas que tratam da base de cálculo do ITCMD na instituição de usufruto.

Relato

1. O Consulente, que se apresenta como Tabelião de Notas, relata que possui algumas escrituras para serem lavradas de instituição do direito real de uso não onerosas ou gratuitas e que incidem sobre imóveis.

2. Expõe que, em tais escrituras, o Município irá transmitir a um particular gratuitamente o direito real de uso sobre imóveis por um período determinado, de maneira que, esgotado o período, o direito real de uso se extinguirá.

3. Menciona que, no Decreto Estadual 46.655/2002 (que aprova o Regulamento do ITCMD), encontra-se menção desse direito de uso sempre acompanhado do direito de usufruto, no artigo 31, II, alínea "c", e no mesmo artigo 31, §3º, item "2".

4. Cita também que o artigo 1.413 do Código Civil dispõe que são aplicáveis ao uso, no que não forem contrárias à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.

5. Entende que seria possível a aplicação de analogia ao caso, considerando que se trata de instituto de integração da norma tributária, apresentando entendimento da doutrina sobre o tema.

6. Desse modo, apontando a proximidade e quase semelhança do direito real de uso com o direito real de usufruto, questiona se a base de cálculo para o ITCMD, nos casos de instituição não onerosa do direito real de uso, seria a mesma utilizada para o usufruto, ou seja, 1/3 do valor de mercado do bem imóvel.

7. Anexa eletronicamente à consulta cópia do título de outorga da delegação do Oficial de Registro Civil da Pessoas Naturais e Tabelião de Notas.

Interpretação

8. Inicialmente, registre-se que se trata de consulta formulada sobre a mesma matéria objeto da Consulta Tributária Eletrônica de nº 0026.138/2022, também apresentada em nome do Consulente, declarada ineficaz por falta de comprovação de legitimidade. Considerando a apresentação de cópia do título de outorga de delegação, desta feita, a consulta será respondida.

9. Isso posto, convém delimitar o campo de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD):

9.1. A Lei 10.705/2000, que instituiu o ITCMD, em conformidade com o disposto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, ao se referir às transmissõesinter vivos, dispõe que o imposto incide sobre aquelas decorrentes de doação de quaisquer bens e direitos.

9.2. Assim sendo, a sujeição ao ITCMD, no caso em análise, dependerá, necessariamente, da possibilidade de estar caracterizada a hipótese de doação.

10. A doação é um ato de liberalidade pelo qual o doador transfere algo de seu patrimônio, subtraindo-o, em favor do donatário que, consequentemente, tem seu patrimônio aumentado (artigo 538 do Código Civil).

10.1. Maria Helena Diniz esclarece que é elemento fundamental que caracteriza a doação “o ânimo do doador de fazer uma liberalidade (animus donandi), proporcionando ao donatário certa vantagem à custa do seu patrimônio. O ato do doador deverá revestir-se de espontaneidade” (inCurso de Direito Civil Brasileiro – 19ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2003 - páginas 221 e 222).

11. No caso em questão, como a cessão de direito de uso tem por objeto imóveis públicos, é necessário fazer uma diferenciação quanto ao uso a ser dado a eles, indicando a liberalidade ou não do poder público no ato:

11.1. No caso de imóveis as serem usados para interesses qualificados como próprios da coletividade, internos ao setor público, o ato de cessão do direito de uso não se caracteriza como doação, uma vez que à liberalidade, que é característica essencial da doação, contrapõe-se o princípio do interesse público.

11.2. Por outro lado, no caso de imóveis cedidos para o atendimento de interesses privados, nos quais o atendimento ao interesse público ocorra de forma apenas mediata, está presente a liberalidade, caracterizando-se a doação do direito.

12. Feita essa distinção, cumpre-nos esclarecer que, em verdade, o direito real de uso não se diferencia substancialmente do usufruto, distinguindo-se dele pela intensidade ou profundidade do direito: enquanto o usufrutuário aufere toda a fruição da coisa, ao usuário não é concedida senão a utilização reduzida aos limites das necessidades. Isto leva a doutrina a dizer que o uso constitui um usufruto limitado, um diminutivo do usufruto, ou ainda, um usufruto em miniatura.

13. Faz-se mister, nesse ponto, reproduzir trechos dos ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereirain"Instituições de Direito Civil", Ed. Forense, 25ª ed., vol. IV, pág. 267, 280-282, para o enfrentamento desse tema:

“Neste capítulo, reunimos três tipos de direitos reais de gozo ou fruição, que o Código Civil de 2002 destaca, segundo a conceituação romana: usufruto (usus fructus), uso (usus) e habitação (habitatio). Em verdade, não tem mais cabimento separá-los, senão por amor à tradição histórica, de vez que o uso não passa de modalidade mais restrita de usufruto, e a habitação reduz-se à especialização do uso em função do caráter limitado da utilização.

(...)

Uso. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quando o exigirem as necessidades pessoais suas e de sua família (art. 1.412). No que diz respeito às necessidades pessoais, deve-se ter em consideração a condição social do usuário, bem como o lugar onde vive. Em verdade, o direito real de uso não se diferencia substancialmente do usufruto, distinguindo-se dele pela intensidade ou profundidade do direito: enquanto o usufrutuário aufere toda a fruição da coisa, ao usuário não é concedida senão a utilização reduzida aos limites das necessidades. Isto leva os autores a dizer que o uso e a habitação constituem um usufruto limitado ou diminutivos do usufruto, ou ainda que são um usufruto em miniatura.

(...)

Habitação. O titular desse direito pode usar a casa para si, residindo nela, mas não alugá-la nem emprestá-la. E se for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que a ocupar estará no exercício de direito próprio, nada devendo às demais a título de aluguel. Como são iguais os direitos, a nenhum será lícito impedir o exercício do outro ou dos outros.

(...)”

14. Ainda, segundo ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereirain"Instituições de Direito Civil", Ed. Forense, 25ª ed., vol. IV, pág. 95, os atributos, tais como o direito de usar, gozar e de dispor da coisa, intrínsecos à propriedade, podem se concentrar em pessoas distintas, quando ocorre o desmembramento desses direitos, transferindo-se a outrem uma dessas faculdades, como na constituição do direito real de usufruto, ou de uso, ou de habitação.

15. No mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Neto (“Manual de Direito Civil – Volume Único”, Ed. JusPodivm, 6ª ed., pág. 1.022) esclarecem que “a propriedade não é o retrato material do imóvel com as características físicas, mas a feição econômica e jurídica que a representa formalmente”, mencionando também que “somente na propriedade plena é possível observar que o direito de propriedade e todos os poderes do domínio se concentram em uma só pessoa”, uma vez que os direitos de uso, gozo e disposição são passíveis de desmembramento.

16. Dessa forma, esclarecem os referidos autores que é plenamente possível que os direitos de uso e fruição sejam desmembrados e transmitidos a terceiros, apesar de a propriedade remanescer com o seu titular, constituindo-se “direito real em coisa alheia”, hipótese em que “o proprietário sofre redução na sua esfera de domínio, na medida em que alguém passa a titularizar um novo direito real” (op. cit., pág. 1.141 e 1.142).

17. Nesse sentido, e considerando que o ITCMD incide sobre as transmissões decorrentes de doação “de qualquer bem ou direito”, resta claro que, ressalvada a hipótese aventada no item 11.1 desta resposta, em que não há liberalidade do cessionário, a cessão voluntária de direitos de uso, por ato não oneroso, é fato gerador do ITCMD, inserido na hipótese de incidência de que trata o artigo 2º, II, c/c artigo 3º, § 1º, ambos da Lei 10.705/2000, qual seja, a transmissão de direito por doação.

18. Para se determinar a base de cálculo do ITCMD deve ser considerado o valor de mercado dos direitos atribuídos aos donatários (artigo 9º da Lei 10705/2000). Nos termos do artigo 14 da Lei 10.705/2000, no caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.

19. No caso em tela, à falta de avaliação idônea que atribua, segundo critérios mercadológicos objetivos, o valor do direito de uso, admitir-se-á o que for declarado pelo interessado, ressalvada a revisão do lançamento pela autoridade competente, nos termos do artigo 11 da Lei 10.705/2000. Se necessário, considerando que, conforme já exposto, o direito de uso é modalidade restrita de usufruto, poderão ser adotadas, por analogia, as normas que tratam da base de cálculo do ITCMD na instituição de usufruto.

20. Com esses esclarecimentos, consideramos respondidas as dúvidas do Consulente.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.

Comentário

Versão 1.0.94.0